Friday, December 26, 2003

Maratona de Moedinhas

Sou coerente. Sempre que passo por um pedinte, não dou moedinha... seja ele qual pedinte for... qualquer que seja a sua debilitação ou, simplesmente, qualquer que seja o tipo de preguiça de levantar o cú da caixa de cartão na rua e ir trabalhar.
Claro: podia ser coerente ao contrário e dar a todos os que passam (ou se arrastam) por mim, uma pequena e singela recordação metálica. Talvez seja o tipo coerente-portuguezinho: não tenho um chavo no bolso, não sou Luís de Matos para fazer aparecer dinheiro ou o plantel do Futebol Clube do Porto, a partir das partículas invísiveis do ar - e bem que às vezes, me daria jeito.... o belo do plantel FCP... - e por isso não dou o que pouco tenho.



Ok. Confesso.
Não dou porque sou forreta.
Mas houve situações que me ajudaram a tornar no forreta que hoje sou.

Uma delas, passou-se há um par de anos. Para quem anda diariamente no metro de Lisboa, certamente já terá reparado que, volta e meia, aparece uma figura frágil, que dá pelo nome (como ele próprio, a custo, se auto-denomina) de "Joveeeem doeeeentee de Sidaaaaa"; o JDS é capaz de ter batido o recorde mundial de atravessamento de uma carruagem do metro a passo de caracol... tamanha é lentidão com que o faz (uma vez, sou capaz de jurar que levou a linha azul inteira, para andar duas carruagens).
Este, sempre foi o que me meteu mais pena (é terrível usar o termo "pena" associado a um ser-humano).

Houve um dia que o vi, através do vidro, numa carruagem que antecedia à que eu me encontrava. Convencido e compungido, preparei a minha carteira (que, no meu caso, não passava de um pequeno saco do continente) para tirar uma moedinha. Mas enquanto desatava os nós do saco apressadamente para tirar a moeda que se lhe destinava... e enquanto as portas do metro abriam, reparei num facto curisoso:
- o mesmo frágil JDS a correr, feito Carl Lewis em Barcelona/92, para se meter na minha carruagem antes que as impiedosas portas do metro fechassem. :| ....
Lá entrou, travou com os seus Naique rotos, meteu a sua famosa expressão de dor e lá continuou com o "sou um jovem doeeeente de sidaaaaaaaaaaaaaa.... tenha a bondaaade de me auxiliaaaar" enquanto eu, tão depressa quanto os havia desatado, voltava a atar os nós da minha "carteira".

A vida, às vezes, sabe ser mesmo fudida. É com honesta tristeza que o digo...

Para que não pensem que sou um cabrão insensível a 100%, é com gosto que confesso ter uma pilha de revistas "Cais" (a revista de apoio e auxílio aos Sem Abrigo) no meu quarto. Os vendedores amarelinhos desta revista, nunca os vi a correr... e sempre me divertiram com o seu fabuloso RAP, diariamente e incansavelmente repetido: "Olhá'revista Cais... a revista de apoio e auçílio aos Sem Abrigo"; o meu MC favorito é um simpático gentleman magrinho, de óculos e bigodinho curto; esse, para além de rapar melhor que todos os outros, já o vi em plena época balnear, a vender gelados Olá ("olhó gelado Olá... o gelado de apoio e auçilio aos Sem Abrigo"), sempre com um sorriso no rosto.

*entretanto, com o dinheiro poupado por não dar moedinhas, acabei por comprar uma carteira original Camel, em pele, dois compartimentos, janela para o meu passe social e porta-moedas forrado também a pele.

Sim....
...chamem-me filho da puta... eu mereço.

...

:|

No comments: